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Coelho: A necessária, e paralisada, criação de um novo regulamento para a ocupação de postes

A necessária, e paralisada, criação de um novo regulamento para a ocupação de postes
Fabio Vianna Coelho fala sobre a ocupação de postes | Foto: Divulgação

Por: Fabio Vianna Coelho *

A impressão que o noticiário traz é de que, ao encerrar o processo de criação de novas regras para o compartilhamento de postes, a Aneel, sem a devida justificativa, jogou por terra um trabalho que era realizado há tempos. A decisão desagradou operadoras, governo, Anatel, entidades e acaba por perpetuar uma série de situações que afetam empresas, cidadãos comuns e, mais do que todos, muitos dos trabalhadores que instalam as redes nesse tipo de infraestrutura.

A opção da Aneel por levar as discussões de volta à estaca zero resultou de sua contrariedade quanto ao Decreto Presidencial 12.068, de junho último que, dentre outros, estabelecia a obrigatoriedade de cessão a “pessoa jurídica distinta” de espaços, faixas de fixação e pontos em postes destinados a redes de telecomunicações. Estava formalizada aí a criação do chamado “posteiro”, empresa que administraria a ocupação dessas infraestruturas.

Na agência, o caráter compulsório da cessão dos pontos em postes, trazido originalmente pela proposta de regulamento feita pela Anatel, sempre causou contrariedade e tornou morosa a condução do tema. O decreto presidencial que, aparentemente, pacificaria a discussão, acabou por se tornar o “fato novo” que motivou o encerramento das tratativas.

Em reunião realizada no último dia 23, o diretor-geral da autarquia, Sandoval de Araújo Feitosa Neto, questionou em seu voto – que orientou a decisão do colegiado – a legalidade da seção obrigatória dos pontos em postes, observando que estes são ativos vinculados ao serviço de distribuição de energia, como previsto nos contratos de concessão. Ressaltou que, embora haja evidentes abusos por parte de algumas elétricas, notam-se também “experiências exitosas” quanto à relação de concessionárias com empresas de telecomunicações, com prática, entre outros, de isonomia de preços, sendo que, desta forma, as concessionárias não poderiam ficar privadas da exploração da atividade, sendo que a gestão desses espaços cabe a elas. Quanto a isso, afirmou que não há evidências de prestação inadequada e de “abuso de poder e de mercado” que justifiquem a interferência das agências.

É possível que distribuidoras relacionem-se de forma harmoniosa com provedores, principalmente quando se tratam das grandes teles. Porem, não é o que se dá com boa parte dos demais ISPs. Um jurista pode ser mais preciso mas, conforme manifestações de entidades que os representam e de muitas dessas empresas, elas aparentemente estariam vivenciando abusos tanto de poder quanto de mercado.

Em janeiro de 2023, o presidente do Sindicato das Empresas de Internet do Estado da Bahia (Seinesba), André Costa, afirmava que a concessionária do estado, a Neonergia Coelba, cobrava dos provedores regionais valores próximos a R$ 14,00 por ponto de fixação, ante menos de R$ 1,00 da Oi. Concluída em outubro último, a proposta da Anatel para o novo regulamento estabelecia R$ 5,00 como preço de referência enquanto que a Abrint classifica como abusivas cobranças entre R$ 12,00 e 18,00.

Ainda de acordo com Costa, a Coelba demoraria até cinco anos para aprovar projetos de implantação de rede – sendo que o prazo estabelecido pela Resolução Conjunta (Aneel, Anatel e ANP) Número 1, de 1999, para a emissão desse tipo de parecer é de 90 dias – parágrafo 1º do artigo 11. Também no início de 2023, provedores cearenses promoveram uma manifestação contra a Enel que, mesmo fixando o valor de R$ 13,83 por poste, estaria criando uma nova tarifa para os prestadores que, segundo a Abrint, encareceria os pacotes de acesso em 70%.

O tema postes é discutido desde o início do atual governo. Em um de seus primeiros dias à frente do Ministério das Comunicações, Juscelino Filho recebeu representantes da própria Abrint que, dentre outras demandas, pediam prioridade quanto ao compartilhamento de postes, cuja dificuldade de acesso pelos provedores representava o “principal empecilho para o crescimento das redes” no país. Meses depois, o ministro declararia que “não imaginava que poste seria um problema tão grave quanto é”.

A intenção de promover a universalização do acesso à Internet figurou como prioridade do governo já no discurso de posse do atual presidente da República e teve continuidade em diversos programas oficiais, que passaram por iniciativas voltadas à criação de uma nova regulamentação sobre o compartilhamento de infraestruturas.

Em setembro último, foi criada a Política Nacional de Compartilhamento de Postes (PNCP), chamada informalmente de “Poste Legal”, que resultou no início dos trabalhos de Anatel e Aneel para a formulação de uma norma que substituiria a Resolução Conjunta nº 1. Aprovada por unanimidade pela primeira em outubro de 2023, a proposta da Anatel seguiu para a outra agência onde, – exceto pelo acréscimo de sugestões como a de que a cessão ao “posteiro” ocorresse apenas em casos específicos –, desde então, esteve sob “vistas”, com sucessivos pedidos de prorrogação para tal – o último se encerraria em setembro. A morosidade que o processo tomou a partir dali, aparentemente, seria contornada com o Decreto Presidencial 12.068. Não foi o que aconteceu.

Embora independentes, ambas as autarquias são ligadas às pastas dos setores que regulamentam. Mesmo assim, o ministro das Minas e Energia, Alexandre Silveira, declarou que decisões como a da Aneel protelam “o interesse público de ter uma solução digna para a situação insustentável dos postes no Brasil” e espera que a diretoria da agência “tenha a responsabilidade e senso de urgência necessários para cumprir com zelo sua importante função”.

Juscelino Filho, que já cobrava que a Aneel desse encaminhamento ao assunto, disse que a decisão se fundamentou em “argumentos frágeis e excessivamente burocráticos”. Também se alinhou com o posicionamento da Anatel que, ao ver os resultados de seu trabalho serem descartados, afirmou em nota que o arquivamento “perpetua estado crítico de desordem organizacional” com “terríveis consequências sociais”.

Independentemente de ser justificável ou não, a decisão prolonga um quadro caótico que está longe de afetar apenas os que atuam com telecomunicações e distribuição de energia. A poluição visual motiva ações no âmbito dos municípios voltadas tanto à retirada de cabeamento e aplicação de multas a quem os instala quanto à criação de leis que estabeleçam condições para a ocupação de postes – sendo que somente a União pode organizar os serviços de telecomunicações, como prevê a LGT.

Mais graves que quaisquer problemas que a ocupação desordenada de postes gera são os riscos que causa, principalmente quando ocorre de forma ilegal. Este ponto foi abordado com maior ou menor intensidade em duas das manifestações que se seguiram à decisão da Aneel. A Abrint observou que o chamado “posteiro” seria um ente fundamental já que as concessionárias de energia não estariam fiscalizando adequadamente o uso dessas infraestruturas. Já a Feninfra – federação que reúne empresas de instalação de telecomunicações e informática – considera que o arquivamento acabou por agravar a ocupação irregular, “colocando trabalhadores do setor de serviços e a própria população em risco”.

Nesses casos, o “irregular” da ocupação se estende muito além da falta de autorização das concessionárias de energia para a instalação de cabeamento: não observa também padrões mínimos de segurança ou normas técnicas. Se mal fixados, os cabos, ao se dilatarem com o calor, ficam abaixo da altura mínima necessária para que ônibus e caminhões não provoquem seu rompimento. Da mesma forma, podem não obedecer a distância que devem ter da rede de alta tensão. Portanto, essas instalações, quando rompidas, podem estar energizadas e provocar eletrocutamentos que não raramente são fatais.

Maiores são os riscos a que os trabalhadores que realizam essas instalações clandestinas estão expostos. Atuando à revelia da regulamentação e das leis trabalhistas, as empresas contratam profissionais que não dispõem da qualificação necessária para o exercício de atividades junto à rede de alta tensão – expondo-se a choques elétricos geralmente fatais –, em alturas elevadas – que, em caso de quedas, podem resultar traumas graves, paralisias ou mesmo mortes. Isso é potencializado pela falta de Equipamento de Proteção Individual (EPI) ou pela pouca ou ausente familiaridade com seu uso.

As capacitações necessárias para o exercício de atividade em alturas superiores a dois metros e próximo à rede de alta tensão são obtidas por meio de cursos e são atestadas pelas Normas Regulamentadoras (NRs) 35 e 10, respectivamente. Devem ser providenciados pelo empregador, que também é responsável pelo fornecimento dos EPIs e do curso de certificação onde se aprenderá a maneira correta de utilizá-los. O despreparo dos profissionais acaba se tornando comum em meio a muitas outras irregularidades, o que resulta em graves acidentes que muitas vezes levam a óbito.

Em sua decisão, a Aneel alegou que o esboço da nova resolução conjunta e o decreto poderiam gerar insegurança jurídica e judicialização. A leitura dos demais posicionamentos não remete a tal conclusão. Porém, como observa a agência, os contratos das elétricas estabelecem que são elas as responsáveis pela gestão dos postes, que são ativos vinculados ao serviço que prestam. Ainda assim, há outras formas de tratar o tema que não o descarte de tudo o que foi realizado até aqui. Ao voltar a seu início, a formulação de um novo regulamento que normatize o compartilhamento de infraestruturas estende uma situação preocupante, que, muito mais do que comprometer o crescimento da Internet, seu uso ou provocar a poluição visual, coloca vidas em risco. Como disse o ministro Alexandre Silveira, espera-se da Aneel “responsabilidade e senso de urgência” na condução do tema.

(*) Fabio Vianna Coelho é sócio da VianaTel, consultoria especializada na regularização de provedores de Internet, e da NROnline, empresa que ministra cursos de NR.

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