Nos próximos anos, o mercado de trabalho será transformado pela tecnologia e pela inteligência artificial (IA). Empresas e especialistas vendem essa revolução como uma grande oportunidade, mas pouco se discute sobre os impactos reais desse processo, especialmente no que diz respeito ao uso indiscriminado de dados e à crescente concentração do poder digital nas mãos de poucas corporações.
A promessa da IA é que ela vai automatizar tarefas repetitivas, aumentar a produtividade e criar novos empregos. Mas, na prática, o que vemos é um movimento que elimina milhões de postos de trabalho tradicionais e redefine completamente a relação entre trabalhadores e empresas. Com a automação e o avanço dos algoritmos, o modelo de trabalho formal está sendo substituído por formatos mais flexíveis – ou, em muitos casos, mais precários. Em vez de vínculos estáveis, cresce o número de profissionais que dependem de plataformas digitais e sistemas de pontuação baseados em dados, que decidem, muitas vezes sem transparência, quem recebe uma oportunidade e quem é descartado.
O grande motor dessa transformação é o uso massivo de dados. O que pesquisamos, o que compramos, o tempo que passamos nas redes sociais – tudo isso gera informações valiosas que alimentam a IA e moldam as decisões das empresas. Hoje, recrutadores utilizam algoritmos para analisar candidatos, prever produtividade e até determinar promoções. Mas quem garante que esses sistemas são justos? E se um algoritmo classificar alguém como “não produtivo” apenas por que ele fez pausas mais longas ao longo do dia? Ou por que seu perfil digital não corresponde ao padrão estabelecido pela IA?
Além disso, a crescente dependência da tecnologia para tomada de decisões cria barreiras invisíveis. Quem não tem um histórico digital bem avaliado pode simplesmente ser ignorado pelo sistema. A promessa de um mundo mais digitalizado esconde uma dura realidade: se você não está no jogo dos dados, talvez nem seja considerado.
Muitas empresas afirmam que a IA tornará tudo mais democrático, eliminando viés humano e abrindo novas portas. No entanto, a realidade mostra um cenário oposto. Quem controla os melhores dados e algoritmos se torna cada vez mais poderoso, enquanto o restante da sociedade depende dessas tecnologias sem saber exatamente como funcionam. O que antes era uma relação entre patrão e empregado, agora se tornou uma disputa entre quem controla a tecnologia e quem apenas a segue. No lugar de chefes de carne e osso, temos sistemas que decidem contratações, promoções e demissões, sem que as pessoas tenham acesso aos critérios dessas decisões.
Outro ponto preocupante é o impacto da IA na criatividade e no pensamento crítico. Se tudo precisa ser otimizado para ser mais rápido, eficiente e previsível, onde fica o espaço para inovação real? A longo prazo, corremos o risco de viver em um mundo onde a originalidade e a diversidade de pensamento são engolidas pela lógica dos algoritmos, que favorecem o que já é conhecido e lucrativo.
Diante desse cenário, não podemos aceitar passivamente a ideia de que a IA e o uso massivo de dados são um “futuro inevitável”. Precisamos questionar, exigir transparência e estabelecer regras claras para essa nova realidade. Isso significa criar leis que protejam os trabalhadores das decisões obscuras dos algoritmos, garantir que a IA seja usada para inclusão e não para exclusão, e promover um acesso mais democrático à tecnologia.
O futuro do trabalho não pode ser decidido apenas por aqueles que lucram com ele. Se queremos um mundo onde a tecnologia realmente beneficie a sociedade, precisamos garantir que ela seja usada para empoderar as pessoas, e não apenas para concentrar poder nas mãos de poucos.
Enio Klein, engenheiro de sistemas, influenciador e apoia empresas a desenvolverem modelos de negócios digitais, colaborativos e sustentáveis. Foco em privacidade, proteção e governança de dados. Sócio da Doxa Advisers e Professor de Pós-Graduação.