Inteligência Artificial e Privacidade: aspectos práticos relevantes

Inteligência Artificial e Privacidade: aspectos práticos relevantes

A inteligência artificial (IA) transformou profundamente a forma como coletamos, processamos e utilizamos dados pessoais. Essa transformação, porém, trouxe à tona preocupações crescentes sobre a privacidade, exigindo uma análise cuidadosa dos aspectos práticos e legais envolvidos.

A intersecção entre IA e privacidade é um campo complexo e em constante evolução, demandando uma abordagem proativa e adaptável. A coleta e processamento desses dados, frequentemente incluindo informações pessoais sensíveis, exigem atenção redobrada à conformidade com leis de proteção de dados, como a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados no Brasil) e o GDPR (Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados na União Europeia).

A Inteligência Artificial pode processar dados pessoais de diversas maneiras, desde o reconhecimento facial em sistemas de segurança até a análise de comportamento em plataformas de mídia social.  Isso acarreta riscos consideráveis à privacidade, incluindo a possibilidade de perfilhamento, discriminação e vigilância.  A utilização legítima de dados pessoais em sistemas de IA requer uma base jurídica sólida e o mínimo de dados necessários para a finalidade especificada.

Embora as técnicas de anonimização e pseudonimização visem proteger a privacidade, sua efetividade é questionada.  Recentes estudos demonstraram que é possível reidentificar indivíduos mesmo após a anonimização, usando técnicas de análise de dados avançadas e combinando informações de diferentes fontes.  Como exemplo, o estudo de Narayanan & Shmatikov (2008) demonstrou que é possível reidentificar indivíduos utilizando dados anonimizados de uma base de dados de saúde.  A pseudonimização, embora ofereça maior segurança, não elimina completamente o risco de reidentificação.

Ao mesmo passo, o processamento de “Big Data” por sistemas de IA intensifica as preocupações sobre a privacidade.  A capacidade de analisar vastas quantidades de dados permite a criação de perfis detalhados de indivíduos, o que pode ser utilizado para fins de marketing direcionado, mas também para fins de vigilância ou discriminação.

Embora a jurisprudência específica sobre IA ainda esteja em desenvolvimento, alguns casos recentes ilustram os desafios e as implicações legais:

Recente julgado do TRE/CE – PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DO CEARÁ RECURSO ELEITORAL. REPRESENTAÇÃO POR PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA IRREGULAR EM REDE SOCIAL. PEDIDO EXPLÍCITO DE NÃO VOTO. USO DE INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL. AUSENTE A INFORMAÇÃO DE QUE O CONTEÚDO FOI FABRICADO E A INDICAÇÃO DA TECNOLOGIA UTILIZADA. 1. Recurso interposto contra sentença que julgou improcedente representação por propaganda antecipada irregular, por entender que os fatos divulgados no vídeo publicado se inserem no contexto do embate político, não configurando ilícito eleitoral. 2. A Lei das Eleições elenca atos que não configuram propaganda eleitoral antecipada, portanto, permitidos aos pré-candidatos, antes do dia 16 de agosto do ano da eleição, desde que não expressem pedido explícito de voto. 3. O Tribunal Superior Eleitoral firmou entendimento de que há propaganda eleitoral extemporânea negativa quando há o pedido explícito de não voto. Precedentes. 4. No vídeo consta pedido expresso de não voto quando em um contexto de críticas ácidas surge o questionamento “você professor, você educador, (4:34) funcionário da educação, você votaria no prefeito que não valoriza a educação?” 5. Inteligência artificial empregada para leitura de texto. Ausente a informação, de modo explícito, destacado e acessível, de que o conteúdo foi fabricado ou manipulado e qual tecnologia foi utilizada. 6. Caracterização do pedido explícito de não voto e do uso irregular da inteligência artificial a ensejar determinação de exclusão do vídeo, em 24h, das redes sociais, aplicação de multa e astreintes. 7. Recurso conhecido e provido. Sentença Reformada.

Caso também recente do TJ/DF – CONSUMIDOR. BANCO. COBRANÇA INDEVIDA. DÍVIDA INEXISTENTE E PAGA. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. FORMA SIMPLES. ARTIGO 42, § ÚNICO DO CDC, ART. 940 DO CÓDIGO CIVIL. MÁ-FÉ NÃO COMPROVADA. INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL. PRECEDENTES DO STJ. 1. “A aplicação do art. 42 , parágrafo único , do Código de Defesa do Consumidor somente é justificável quando ficarem configuradas tanto a cobrança indevida quanto a má-fé do credor fornecedor do serviço. Precedentes do STJ” ( AgRg no REsp XXXXX/RJ , Relator Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado em 10/02/2015, DJe 13/02/2015.). 2. Para que haja a devolução em dobro do indébito, é necessária a comprovação de três requisitos, conforme o parágrafo único do artigo 42 do CDC , a saber: 1) que a cobrança realizada tenha sido indevida; 2) que haja o pagamento indevido pelo consumidor; e 3) que haja engano injustificável ou má-fé. Mutatis mutandis, a mesma exigência impõe-se para a repetição ou para a indenização prevista no art. 940 do Código Civil . 3. A má-fé é inerente à atitude humana de quem age com a intenção deliberada de enriquecimento ilícito ao cobrar o que já foi pago, ao receber o que foi cobrado e ao cobrar o que não era devido, sem qualquer engano ou erro justificável. 4. Para a devolução em dobro, não basta a cobrança indevida. As instituições financeiras, conceito que compreende bancos e, também, companhias que administram operações de cartões de crédito, conhecidas como bandeiras, operam com inteligência artificial, a chamada 4ª Revolução Industrial, que é caracterizada pela fusão de tecnologias que puseram em xeque as esferas física, digital e biológica. Não há como se imputar má-fé às cobranças feitas por sistemas computacionais, por robôs eletrônicos. 5. Há que se repensar conceitos que não poderão receber dos juristas as antigas soluções impostas pelo Direito Romano ao vendedor de balcão, com caderneta de apontamentos pessoais dos seus fregueses, contemporânea da 1ª Revolução Industrial, a era da máquina movida a vapor. 6. As inconsistências do emprego de inteligência artificial não podem ser punidas com o rótulo da má-fé, atributo exclusivamente humano, ínsito a quem anota, naquela mencionada caderneta, uma compra que não foi feita ou uma dívida que já foi paga, para dobrar, fraudulentamente, o lucro no fim do mês. 7. Sem os requisitos legais, a devolução do indébito deve ocorrer de forma simples. 8. Recurso conhecido e parcialmente provido.

Em âmbito internacional, o caso da Cambridge Analytica que envolveu a utilização indevida de dados pessoais de milhões de usuários do Facebook para fins de microtargeting político, demonstrou a vulnerabilidade dos dados pessoais e os riscos associados ao uso de IA sem o devido consentimento e proteção.

O tema relacionado à privacidade quando falarmos de IA sempre estará umbilicalmente vinculado, uma vez que a inteligência trabalha baseada em dados. Para mitigar os riscos à privacidade associados à IA, é fundamental:

Transparência: As empresas devem ser transparentes sobre a coleta, o uso e o compartilhamento de dados pessoais utilizados em sistemas de IA;

Minimização de dados: Coletar apenas os dados estritamente necessários para a finalidade especificada, evitando a coleta excessiva de informações;

Segurança da informação: Implementar medidas de segurança robustas para proteger os dados pessoais contra acessos não autorizados e violações;

Consentimento: Obter o consentimento livre, informado e inequívoco dos indivíduos antes de coletar e processar seus dados;

Direito de acesso, retificação, apagamento e portabilidade: Garantir os direitos dos indivíduos de acessar, retificar, apagar ou portar seus dados pessoais;

Avaliação de impacto na proteção de dados: Realizar avaliações de impacto antes de implementar novos sistemas de IA que processam dados pessoais;

Governança de dados: Implementar um framework de governança de dados que aborde a ética, a privacidade e a segurança da informação em todos os estágios do ciclo de vida dos dados.

A inteligência artificial oferece um enorme potencial para inovação e eficiência, mas seu impacto na privacidade exige atenção constante.  A conformidade com as leis de proteção de dados, a adoção de boas práticas de segurança e uma abordagem ética são cruciais para garantir que a IA seja utilizada de forma responsável e que a privacidade dos indivíduos seja preservada.

A jurisprudência e os casos recentes ilustram a importância de um enquadramento legal robusto e a necessidade de um diálogo contínuo entre legisladores, especialistas em tecnologia e a sociedade civil para enfrentar os desafios emergentes nessa área.

Strauss Nasar, mestre em Propriedade Intelectual e Transferência de Tecnologia para a Inovação (IFCE/Profnit), especialista em Direito e Novas Tecnologias e Legal Growth Hacker (Unifor) e sócio do escritório Fortes Nasar Advogados.

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