Um fêmur de antílope de sete mil anos “esquecido” entre artefatos recuperados em uma caverna da África do Sul em 1983 foi reanalisado recentemente por pesquisadores da Universidade de Joanesburgo. A pesquisa revelou vestígios do veneno de flecha mais antigo do mundo.
O estudo, publicado na revista iScience, revela que o osso bovino era usado naquela época como uma aljava, e estava “cheio de uma substância desconhecida na qual estavam embutidas três pontas de flechas de osso”, só identificadas agora, após uma análise com microtomografia computadorizada (micro-CT).
O fêmur foi originalmente escavado em 1983, na caverna Kruger, um importante sítio arqueológico localizado nas Montanhas Magaliesberg Ocidentais, a cerca de 1,5 hora de carro de Joanesburgo, na região conhecida como Berço da Humanidade.
Reanalisando o osso pré-histórico

Em uma publicação recente na plataforma The Conversation, o primeiro autor do artigo científico, Justin Bradfield, professor da Universidade de Joanesburgo, explicou que, quando o fragmento ósseo foi encontrado em 1983, raios-X revelaram que três pontas de flecha de osso modificadas haviam sido colocadas na cavidade da medula, indicando que a peça funcionava como um recipiente de flechas.
Sem contar na época com uma tecnologia mais avançada para investigar o objeto, os arqueólogos o deixaram armazenado, juntamente com outros artefatos recuperados da caverna, nos depósitos do Departamento de Arqueologia da Universidade de Witwatersrand.
Em 2022, novas investigações foram realizadas na caverna Kruger, o que levou seus participantes a dar uma conferida nos tesouros depositados há quase quarenta anos na universidade sul-africana. Bradfield, que é um arqueólogo interessado nos materiais orgânicos preservados na caverna, suspeitou que havia alguma coisa mais dentro do tal fêmur do que só sedimento e restos de medula decomposta pelo tempo.
O veneno de caça mais antigo do mundo

Para testar suas hipóteses, a equipe de pesquisa resolveu usar técnicas de imagem mais avançadas do que o limitado raio-X da época. Por isso, utilizaram a micro-CT, que permite visualizar e analisar estruturas internas de materiais e amostras biológicas em escala microscópica com alta resolução tridimensional.
Confirmando o que Bradfield já suspeitava, os resultados indicaram que o que se assemelhava a sedimentos antigos dentro da cavidade medular do osso “era claramente matéria estranha”, segundo o arqueólogo. Por isso, uma pequena amostra foi coletada e seus constituintes químicos analisados.
A análise química revelou “a presença de dois glicosídeos cardíacos tóxicos (que perturbam o funcionamento do músculo cardíaco): digitoxina e estrofantina”, diz o estudo. Relacionadas a venenos de caça, as duas substâncias são provenientes de diferentes plantas ou fontes não encontradas naturalmente na mesma região.
Qual a importância da descoberta de veneno em flechas de caça?

Embora se acredite que o uso de flechas de caça venenosas seja praticado há mais de 48 mil anos, a comprovação de compostos químicos em venenos no estudo atual confirmou uma sofisticada técnica de preparação. Além disso, a presença de substâncias não encontradas naturalmente na região indica que esses caçadores pré-históricos combinavam propositalmente diferentes ingredientes vegetais para criar venenos mais potentes.
A presença de ácido ricinoleico nas amostras denota um processo de degradação da lectina ricina tóxica, uma proteína extremamente venenosa extraída das sementes de mamona, que é usada, com cautela extrema, em pesquisas biomédicas atuais como potencial agente quimioterápico contra células cancerígenas.
Esses venenos de caça eram cuidadosamente preparados de forma a afetar o sistema nervoso ou circulatório dos animais, causando morte rápida sem contaminar significativamente a carne. Ou seja, os caçadores pré-históricos desenvolveram técnicas para minimizar a dispersão do veneno no corpo do animal, o que aponta para um sofisticado conhecimento farmacológico.
Curta mais descobertas como essa no TecMundo, comente em nossas redes sociais e compartilhe com os amigos. Até a próxima!