*Elias Sfeir
A colaboração entre os birôs de crédito e o setor de telecomunicações alcançou um novo patamar a partir de 2021, quando os dados desse setor passaram a integrar o banco de dados do Cadastro Positivo (CP). Essa integração representou um grande passo em direção à inclusão financeira no país, dando visibilidade a consumidores que, até então, eram invisíveis ao sistema financeiro. Isso foi possível graças a modernização do Cadastro Positivo, que completou cinco anos em 2024.
A inclusão financeira tornou-se uma pauta global, impulsionada por organismos internacionais e bancos centrais de diversos países. Dados do Banco Mundial permitem acompanhar a evolução da “bancarização” no mundo desde 2011. A última divulgação, referente a 2021, mostrou um crescimento significativo no percentual de brasileiros “bancarizados”, que passou de 55,9% para 84,0%. Avanço similar pôde ser observado na média mundial, que passou de 50,6% para 76,2%. A “bancarização”, no entanto, é apenas um primeiro passo para a inclusão efetiva. O acesso pleno aos serviços financeiros mais complexos, como as operações de empréstimos e financiamentos, requer o amadurecimento das informações de crédito.
Reduzir a assimetria de informação é o problema fundamental do mercado de crédito. As instituições que concedem crédito precisam conhecer minimamente o histórico dos potenciais tomadores para controlar o risco das operações. Ocorre que a falta de relacionamento prévio com o sistema financeiro pode alimentar a exclusão, criando o fenômeno da invisibilidade para crédito. Nesses casos, as informações vindas de outros setores são fundamentais para quebrar esse ciclo, dando visibilidade aos consumidores que têm pouca história com os bancos e um histórico estabelecido com empresas prestadores de serviços.
Isso é o que temos visto. Desde que as informações do setor de telecomunicações passaram a integrar o CP, cerca de 15 milhões de consumidores e empresas que estavam foram do sistema financeiro passaram a ser avaliados pelo histórico de pagamento de telefonia e internet, tornando-se visíveis para crédito. Essa visibilidade permite ao sistema financeiro oferecer condições mais justas de crédito, diante das informações disponíveis. E mais do que isso: cria o estímulo para a pontualidade do pagamento, beneficiando diretamente os setores que compartilham os dados de crédito.
O momento agora é de discutir como a utilização desses dados pode potencializar ainda mais o impacto positivo sobre o crédito e identificar novas sinergias entre os setores. Para gerar valor no processo do crédito e outras operações do negócio, a informação bruta e cada vez mais volumosa precisa ser submetida às ferramentas tecnológicas para ter eficiência e agregar inteligência aos modelos, trazendo eficácia com relação à capacidade preditiva.
Além de eficiente e eficaz, o processo deve ser seguro no sentido de respeitar a proteção dos dados. Isso tem demandado uma atuação muito próxima entre as áreas de negócios e a área jurídica. Esse quesito é fundamental, pois a modernização do Cadastro Positivo no Brasil já nasceu em consonância com o espírito da LGPD e com o Código de Defesa do Consumidor.
O processo de integração das informações das operadoras de telecomunicações com os birôs trouxe lições importantes. O ponto de partida envolveu fóruns técnicos com o objetivo de alinhar as expectativas sobre a disponibilidade de informações, os indicadores de qualidade dos dados enviados, bem como a frequência do envio. A qualidade e a variedade de dados impactam a eficiência dos modelos e abrem o caminho para outras aplicações que vão além do risco de crédito.
A riqueza dos dados do setor telecomunicações permite fazer inferências sobre o tipo de ocupação econômica e melhorar os modelos de renda presumida. Esse tipo de análise, além de ser fundamental para a concessão de crédito, enriquece a oferta de produtos e serviços, permitindo uma abordagem personalizada e ancorada no perfil do cliente.
As aplicações abrangem também a recuperação de crédito. Dado que o atraso ocorreu, quais as chances de recuperação de um cliente num determinado horizonte de tempo? A combinação dos dados de setores específicos com os dados dos birôs ajuda a responder esse tipo de pergunta, melhorando os índices de sucesso na recuperação. A prevenção de fraudes é outro tópico que afeta diversas indústrias e que pode ser beneficiada pela combinação de dados.
Olhando para o futuro da parceria entre os birôs e o setor de telecomunicações, a avaliação é de que há espaço para ampliar a integração em duas direções. A primeira é o aprofundamento da externalidade positiva da inclusão financeira. Além de representar um impulso econômico, o compartilhamento dos dados fortalece a imagem dos setores envolvidos devido ao impacto social. A outra direção é o desenvolvimento de inteligência para ser aplicada ao setor de telecom, mirando além da análise e a recuperação de crédito, a prevenção da fraude e captação, fidelização de clientes e ofertas de serviços customizadas.
O país vive um momento importante de convergência entre a agenda regulatória e as possibilidades tecnológicas. O reconhecimento por parte da legislação sobre a necessidade de ampliar o escopo das informações de crédito e proteger os dados sensíveis veio em boa hora, alinhando o mercado brasileiro às boas práticas internacionais e abrindo o caminho para a inovação.
Elias Sfeir – presidente da Associação Nacional dos Bureaus de Crédito (ANBC).