Quantas vezes na história o mesmo assunto estava sendo discutido simultaneamente nas salas dos Conselhos de Administração das maiores empresas e nos corredores do Karolinska Institute, que concede o Prêmio Nobel, em Estocolmo?
Provavelmente em nenhum momento dos últimos cento e cinquenta anos. Ao mesmo, desde o final do Século XIX, quando as invenções então recentes na eletricidade e na química impulsionaram a Segunda Revolução Industrial – e, em última essência, criaram o mundo moderno.
Pois esta semana houve a rara coincidência de dois prêmios Nobéis, da Física e da Química, concedidos para o mesmo tema, a Inteligência Artificial (IA). E, este mesmo assunto está provocando alguns dos movimentos de negócio mais significativos em décadas: quantos Prêmios Nobéis trabalham na sua empresa?
Neste momento, todas as empresas provavelmente adorariam estar na vanguarda, abrindo vantagens competitivas significativas na utilização de IA. No entanto, a pergunta “quantos Prêmios Nobéis trabalham na sua empresa?” deve parecer estranha para a maioria dos acionistas, conselheiros e executivos em um cenário de preocupação com questões fiscais, impostos e segurança pública.
Mesmo empresas tradicionalmente ligadas em tecnologia talvez vejam a resposta a esta pergunta como uma glória anacrônica. Parece que já é longe o tempo em que grandes laboratórios de Pesquisa & Desenvolvimento despertavam grande orgulho. Aliás, não custa lembrar de dois casos emblemáticos, com a IBM, cujos pesquisadores ganharam seis prêmios Nobéis e o icônico Bell Labs, que teve dez prêmios Nobéis concedidos a seus pesquisadores.
A capacidade da indústria para capturar os ganhos das novas tecnologias advindas das revoluções científicas do final do Século XIX (eletromagnetismo e química) e início do Século XX (quântica) esteve diretamente relacionado a um movimento de institucionalização corporativa da ciência e da tecnologia e a criação dos grandes laboratórios de Pesquisa & Desenvolvimento (P&D).
Este modelo, combinado com a emergência das políticas públicas de P&D no pós-Segunda Guerra Mundial (em grande parte como consequência do sucesso do Projeto Manhattan), fez com que no final da década de 1940 quase 90% das maiores empresas norte-americanas tivessem um laboratório de P&D realizando investigações experimentais.
No entanto, apenas a título de comparação, em 2023, as despesas com influenciadores este ano serão equivalentes ao investimento (atualizado) total do Projeto Manhattan. Este dado, tomado ao lado da famosa lamentação de Peter Thiel – “nós queríamos carros voadores e, ao invés disto, ganhamos 140 caracteres” – expõe um hiato da capacidade de inovação tecnológica corporativa, que é a maior ameaça existencial para as empresas no médio-longo prazo.
O foco na transformação dos modelos de negócio foi um avanço fundamental da visão de gestão da inovação, mas, aparentemente, esta estratégia foi tomada em substituição à inovação de base tecnológica. Um indicador disso é que os investimentos em pesquisa básica e aplicada caíram de mais 30% da P&D corporativa no início dos anos 1980 para menos de 20% em 2015. Muito “D” e pouco “P”.
As premiações desta semana são um alerta claro: qualquer movimento estratégico relevante precisa estar bem substanciado em conhecimentos científicos e tecnológicos atualmente na fronteira. Nunca foi tão verdade a máxima que repito sempre, de que não existe tecnologia de prateleira, apenas aprendizado tecnológico, através de movimentos deliberados e estruturados de P&D.
Este é um momento completamente diferente para a estratégia de inovação. Ser um seguidor provavelmente significará a irrelevância! Em uma dinâmica competitiva profundamente determinada por uma tecnologia em processo de maturação, é absolutamente essencial que executivos e decisores tenham um bom nível de fluência nos novos conhecimentos tecnológicos e suas implicações para o mercado e os negócios.
E mesmo, quem sabe, tragam um Prêmio Nobel para se sentar entre seus pares. Provavelmente estas serão as empresas lembradas daqui a cem anos como as protagonistas da revolução que se desvela!
Denis Balaguer, Diretor de Inovação e do Wavespace da EY para América Latina.