A Inteligência Artificial (IA) é um dos maiores avanços tecnológicos do século XXI, e apesar de permitir que instituições públicas e privadas alcancem mais operacionalidade em suas atividades, também oferece riscos políticos e sociais com elevada escalabilidade, sendo potencial ferramenta de violação à democracia e aos direitos humanos, levando a cenários de discriminação, manipulação de dados e censura, dentre outras situações sem precedentes.
O primeiro tratado internacional legalmente vinculante que regula o uso da IA representa avanço significativo na criação de um marco jurídico global para a tecnologia, estabelecendo normas claras para o seu desenvolvimento e aplicação. Estamos falando do Conselho Europeu, organização que promove e apoia os direitos humanos e conta com 46 países membros, que divulgou recentemente o Framework Convention on Artificial Intelligence and Human Rights, Democracy and the Rule of Law (em tradução livre Convênio sobre Inteligência Artificial e Direitos Humanos, Democracia e Estado de Direito), tratado internacional que visa estruturar o ciclo de vida dos sistemas de IA, observando os princípios do desenvolvimento tecnológico e inovação. Orientado pelas diretrizes Ambiental, Social e Governança (ESG, do inglês), esse tratado promove fundamentações que devem permear a aplicabilidade da IA e busca alinhar melhores práticas, tendo em vista preocupações e riscos que a tecnologia proporciona para a sociedade, a democracia e o direito das pessoas.
O tratado conta com 36 artigos, estabelecendo que os signatários que, atualmente, contam com 10 países como EUA, Israel e Reino Unido, se comprometem a adotar ou manter medidas legislativas e administrativas para assegurar efeitos da convenção. O objetivo é proteger a sociedade e o exercício da lei e seus direitos, por isso, tanto o setor público quanto o privado estarão sujeitos às previsões do tratado.
A sua natureza normativa reside no seu caráter obrigatório que advém da ratificação, exigindo que os países signatários adotem medidas concretas para aumentar a transparência, a responsabilidade e o controle sobre o uso da IA. Ao cobrir todo o ciclo de vida dos sistemas de IA e incluir disposições que mitigam os riscos associados, o tratado cria um padrão uniforme que pode influenciar tanto legislações nacionais quanto práticas globais. Esse acordo também proporciona terreno comum para que diferentes jurisdições alinhem suas regulamentações, promovendo a cooperação internacional em torno de uma inovação responsável e ética.
Além disso, com o intuito de assegurar a implantação das provisões entre as partes, o acordo prevê mecanismos de acompanhamento e cooperação internacional, cabendo ao país signatário o envio de declaração ao Conselho Europeu das diretrizes que pretendem adotar quando do momento da assinatura ou ratificação, tendo liberdade de propor alterações nas disposições.
Em um panorama geral, os setores públicos e privados estarão sujeitos às previsões do tratado, que contempla obrigações como endereçamento de potenciais riscos e impactos no uso de IA, integridades em processos eleitorais, transparência e supervisão de processos de implantação, desenvolvimento de sistema de responsabilização, privacidade e proteção de dados, inovação segura, eficiência e fidelidade dos resultados dos sistemas de IA.
Como medida paliativa, os países que aderirem ao tratado também se submetem à estipulação de alternativas que diminuam o impacto de eventuais violações, assegurando que informações pertinentes e de risco elevado sejam documentadas e estejam acessíveis aos órgãos competentes, observando os princípios da ampla defesa, publicidade e devido processo legal. Os países também deverão providenciar relatórios para Conferência das Partes, composta pelos representantes de cada Estado, durante dois anos a partir da assinatura e, posteriormente, informar detalhes das medidas adotadas como exercício do escopo das obrigações do tratado.
Com isso, é possível afirmar que a Europa tem se mostrado ativa na regulamentação de diretrizes e construção de uma governança bem elaborada no uso dessa tecnologia. O cenário ainda é incerto, mas esses são os primórdios passos no processo de firmar os pilares da IA, que eventualmente serão as referências norteadoras em âmbito Internacional.
É inegável que a implementação dessas normativas representa um marco para o mundo, pois estabelece diretrizes sobre como a IA deve ser utilizada de maneira justa, segura e transparente, protegendo os direitos humanos e prevenindo abusos.
Por fim, iniciativas como o tratado internacional, desenvolvido pelo Conselho Europeu importa porque oferece respostas coletivas e coordenadas aos desafios éticos e legais colocados pelo rápido avanço da tecnologia. É parte fundamental do processo de ratificação a fim de exercer atuações efetivas no cumprimento das diretrizes globais e para que os Estados-Membros invistam em mecanismos de monitoramento, auditorias independentes, relatórios de conformidade e, em casos de não conformidade, a aplicação de sanções ou outras medidas corretivas previstas no próprio instrumento.
Políticas públicas que englobam medidas eficazes para o bom cumprimento das disposições internacionais são a chave para o desenvolvimento econômico e tecnológico do Brasil, principalmente no que decorre do período atual de ascensão da Inteligência Artificial.
Gustavo Maganha, gestor de Tecnologia & Inovação do PG Advogados, graduado em Direito pela Faculdade Metropolitanas Unidas, pós-graduado em Direito Processual Civil pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, MBA em Direito Eletrônico pela Escola Paulista de Direito, certificado pela IBM em Artificial Intelligence, Data Fundamentals e Emerging Tech, pelo Google Cloud em Generative AI Fundamentals, pelo Cappra Institute em Habilidades Analíticas. Co-Autor do Livro “Criatividade é Comportamento… Inovação é processo” e Co-fundador do Podcast Conectando Mentes Curiosas.
Jhonatan Rodrigues, advogado de Inovação e Inteligência Artificial do PG Advogados, graduado em Direito pela Universidade de Mogi das Cruzes, certificado pela FGV em Direito nas Políticas Públicas, certificado em LGPD e pós-graduando em Direito Empresarial pela Escola Superior de Advocacia Nacional.