Fenômenos enigmáticos acontecendo nos dois maiores oceanos do mundo estão desafiando a compreensão dos cientistas: um resfriamento rápido do Atlântico, perto do Equador, e uma elevação acelerada do nível das águas do Pacífico. Embora aparentemente contraditórios, os dois casos podem estar relacionados às complexas interações no sistema climático global.
No episódio do Atlântico, uma mancha fria bizarra, abrangendo uma larga faixa que se prolonga pelas zonas tropical e equatorial esfriou em uma velocidade recorde. Isso aconteceu após uma série de meses seguidos com registros também recordes, porém das águas mais quentes em 40 anos de história.
Já o fenômeno ocorrido no oceânico Pacífico, definido no relatório “O Estado do Clima no Sudoeste do Pacífico 2023” da ONU, está claramente relacionado com os efeitos do aquecimento global na região. Como consequência, o nível do mar nas ilhas do sudoeste do oceano está subindo mais rápido do que a média global, e ameaçando as populações insulares.
La Niñas em dois oceanos ao mesmo tempo?
O fenômeno da La Niña, um resfriamento periódico das águas do Pacífico, está previsto para o segundo semestre de 2024, em um ciclo natural conhecido como Enso (El Niño Oscilação Sul), que alterna condições neutras e de resfriamento com estados periódicos de aquecimento com o seu “primo” El Niño.
Mas o súbito resfriamento das águas notado pelos meteorologistas em julho e agosto pode estar criando um fenômeno inédito: o desenvolvimento de uma La Niña Atlântica ao longo do Equador. Esse padrão climático raríssimo, que é normalmente chamado de “anomalia fria do Atlântico”, tende a aumentar as chuvas na África Ocidental e diminuí-las no nordeste do Brasil.
Segundo um artigo publicado recentemente na plataforma The Conversation, pelos climatologistas Annalisa Bracco e Zachary Handios, do Instituto de Tecnologia da Geórgia nos EUA, a combinação de duas Niñas, ao mesmo tempo, no Pacífico e no Atlântico “é como encontrar dois pêndulos diferentes, que são fracamente acoplados para balançar em direções opostas, movendo-se juntos no tempo”.
Consequências de uma La Niña no Atlântico
Resfriamento do Atlântico tropical pode ser sinal de uma Niña Atlântica se formando.Fonte: NOAA Climate.gov
Se a temperatura do Atlântico continuar abaixo da média por mais um mês, a declaração oficial de uma La Niña será aplicada em nosso oceano. O possível resfriamento simultâneo de dois oceanos poderia ter reflexos imediatos não só na umidade, mas também na temperatura ao redor do mundo, dizem os especialistas.
Segundo a brasileira MetSul, o fenômeno no Atlântico demonstrou “aumentar a probabilidade de furacões poderosos se desenvolverem perto de Cabo Verde”. Já no Brasil, o aumento da umidade causado pelo resfriamento do oceano se refletiria de forma diferente nas regiões.
Enquanto no Norte e no Nordeste, as chuvas podem ser mais intensas, no Sul a precipitação ficaria abaixo da média. A indefinição das temperaturas no Centro-Oeste combinada com uma possível seca no Sul poderiam ameaçar alguns cultivos importantes, como o de soja, de milho e de trigo. Uma possível estiagem no Rio Grande do Sul, poderia impactar as safras de café, frutas cítricas como a laranja e cana-de-açúcar.
O que está acontecendo com o nível do mar no oceano Pacífico?
O Atol de Nukunonu, na Nova Zelândia, é uma das regiões do mundo vulneráveis às mudanças climáticas.Fonte: Arianne Rummery/Nações Unidas/Divulgação
O alerta é da Organização Meteorológica Mundial (OMM) e da ONU: enquanto o aumento médio do nível do mar foi cerca de 3,4 milímetros anuais entre 1993 e 2003, esses valores subiram de 10 a 15 centímetros em grande parte, no Pacífico tropical ocidental, e entre 5 a 10 centímetros no Pacífico tropical, no mesmo período.
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Esse aumento descontrolado do nível do mar pode provocar, segundo o Secretário-Geral da OMM, António Guterres, inundações costeiras, retração da orla marítima, contaminação da água doce por água salgada e deslocamento de comunidades.
Os efeitos vão muito além das chamadas ilhas do Pacífico. Embora a altitude média desses locais seja de apenas um a dois metros acima do nível do mar, o que os coloca entre os mais vulneráveis, é preciso lembrar que cerca de um bilhão de pessoas no mundo vivem também em áreas costeiras, o que as coloca como potenciais vítimas do aquecimento dos oceanos.
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