O dia em que uma bomba nuclear detonou no espaço

Faltava pouco para o fim da noite do dia 8 de julho de 1962, quando o céu de Honolulu ficou claro como o dia. As estrelas desapareceram e um brilho sobrenatural tomou conta da escuridão, como se o próprio firmamento estivesse em chamas.

Longe de ser um presságio divino, o que os habitantes do Havaí testemunharam nesta noite foi a consequência de um dos experimentos mais ousados e aterrorizantes da Guerra Fria: a detonação da bomba nuclear Starfish Prime. Esse experimento foi o ápice de uma série de testes nucleares realizados pelos Estados Unidos durante a corrida armamentista com a União Soviética.

No fim da década de 50 e nos primeiros anos da década de 60, a ameaça de um confronto direto entre as superpotências era palpável e o desenvolvimento de tecnologias de dissuasão tornou-se uma prioridade nacional para ambos.

Explosão da Starfish Prime vista de Honolulu.Explosão da Starfish Prime vista de Honolulu.Fonte:  US Government 

O que foi o Projeto Starfish Prime

O projeto Starfish Prime nasceu dessa tensão e tinha como objetivo estudar e entender os efeitos das explosões nucleares em altas altitudes, em particular no espaço exterior. A bomba foi lançada a bordo do míssil balístico Thor a partir da Ilha Johnston, um atol remoto no Oceano Pacífico, localizado a cerca de 1.400 quilômetros a sudoeste do Havaí.

Próximo das 21h00 no horário local, o míssil subiu ao céu, carregando consigo uma ogiva nuclear W49 de 1,4 megatons, uma potência quase 100 vezes maior do que a bomba nuclear que explodiu em Hiroshima. Quando o míssil atingiu uma altitude de 400 quilômetros, já no limiar do espaço exterior, a ogiva foi detonada.

O resultado foi uma explosão sem precedentes na história da humanidade. 

A detonação liberou uma energia colossal, que se espalhou em um vasto raio ao redor do ponto de explosão. Contudo, a luz intensa que iluminou o céu foi apenas o primeiro efeito visível.

Uma vasta onda de radiação foi liberada, composta por raios gama, partículas beta e outras formas de energia ionizante, que criaram uma “bolha” de radiação ao redor da Terra. Este fenômeno, conhecido como pulso eletromagnético (EMP), teve efeitos devastadores sobre os sistemas eletrônicos e elétricos, mesmo a milhares de quilômetros de distância.

O flash da explosão visto a mais de 1400 quilômetros de distância.O flash da explosão visto a mais de 1400 quilômetros de distância.Fonte:  US Government 

Em Honolulu, as luzes das ruas piscaram e alguns sistemas elétricos falharam. Satélites em órbita baixa, como o Telstar, voltado para comunicação comercial, foram gravemente danificados ou destruídos pela intensa radiação.

A ionosfera terrestre foi temporariamente perturbada, causando interferências em comunicações de rádio em todo o mundo. A explosão ainda produziu cintilações radioativas ao redor do planeta, que foram detectadas por estações de monitoramento em diferentes continentes.

Como consequência, os cientistas envolvidos com pesquisa atômica em diversos países logo perceberam que, em caso de uma guerra nuclear, a explosão de bombas em grandes altitudes poderia paralisar sistemas de comunicação e de defesa, podendo incapacitar nações inteiras sem a necessidade de ataques diretos ao solo.

Fotografia da chuva radioativa da Starfish Prime feita em um avião.Fotografia da chuva radioativa da Starfish Prime feita em um avião.Fonte:  US Air Force 

No entanto, os efeitos não se limitaram apenas aos sistemas tecnológicos. A explosão criou um espetáculo no céu descrito por alguns observadores à época como “belo, mas terrível”: auroras artificiais foram visíveis na maioria do Oceano Pacífico, desde o Havaí até partes da Nova Zelândia. Tais fenômenos luminosos foram gerados pelas partículas energizadas da explosão que foram capturadas pelo campo magnético da Terra.

O fenômeno das auroras é causado pela interação entre partículas carregadas e os gases na atmosfera terrestre.O fenômeno das auroras é causado pela interação entre partículas carregadas e os gases na atmosfera terrestre.Fonte:  Getty Images 

O legado do Starfish Prime influenciou diretamente as políticas nucleares e espaciais subsequentes. Assinado em 1963, pelos Estados Unidos, União Soviética e Reino Unido, Tratado de Proibição Parcial de Testes proibiu explosões nucleares na atmosfera, no espaço exterior e debaixo d’água, como uma resposta direta à pesquisa de bombas atômica, que frequentemente associava de forma perigosa forças altamente destrutivas com ambiente sensíveis.

A detonação da Starfish Prime não apenas alterou o curso da Guerra Fria, mas também reduziu, ao menos em partes, o ímpeto e a maneira como a humanidade aumentava o uso de armas de devastação em massa. Este foi um momento em que o céu, por um breve instante, se tornou palco para representar um dos maiores paradoxos humanos: a busca pelo conhecimento entrelaçada a capacidade de autodestruição.

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