Uma ema, um homem velho, um cervo, uma anta e outras dezenas de constelações povoam um céu, que apesar de nosso, você pode não conhecer. A astronomia indígena guarda em si a sobrevivência dos povos ancestrais, seus mitos e ritos através da observação do movimento dos astros acima de nós.
Quem nunca olhou para o céu e pensou em juntar os milhares de bilhares de estrelas? Ainda que para muitos seja apenas uma distração ou um jogo noturno, para os povos ancestrais significava sobreviver.
O mapeamento dos céus sempre foi uma medida de tempo crucial. Saber o caminho do Sol, da Lua e das estrelas prediz as estações do ano, épocas de plantio e para alguns povos, o melhor período para conceber seus filhos. Continue a leitura para conhecer um pouco mais sobre astronomia indígena, algumas constelações e o céu sagrado do povo ancestral.
Um céu brasileiro
Estamos acostumados a ler, estudar e saber sobre a astronomia a partir de uma cosmovisão greco-romana. Deuses, semideuses e figuras mitológicas povoam esse céu pontilhado, onde a imaginação cumpre um papel importante para conseguirmos reconhecer as figuras históricas e mitológicas representadas nesse jogo de ligar os pontos.
Contudo, os gregos e romanos não foram os únicos a desenhar no céu figuras importantes para sua tradição. Existe no campo a astronomia o estudo da etnoastronomia, onde pesquisadores se debruçam a estudar e compreender como outros povos entendiam e estudavam o céu.
Para nossos povos indígenas, o céu é guardião de figuras emblemáticas, com um hall de mais de 100 constelações que contam histórias, marcam as estações do ano e que guiaram a vida nas comunidades indígenas de nosso país.
Os primeiros registros dessa riqueza cultural, científica e tecnológica foi registrada em 1612 por Claude d’Abbeville, um missionário capuchinho. O francês acompanhou e registrou as crenças e fazeres, relacionados ao estudo dos céus, dos povos Tupinambás no Maranhão.
Em uma história mais recente, o pós-Doutor em astronomia Germano Afonso realizou o mapeamento da astronomia indígena, junto aos povos Tupi-Guarani, por todo Brasil. Se d’Abbeville encontrou 30 constelações, Afonso expandiu suas descobertas para aproximadamente 100 conjuntos estelares.
Na cosmovisão indígena, o céu cumpre seu papel como uma ferramenta para previsão das estações, épocas de plantio, guardião de mitos e histórias, além de servir como um calendário de fertilidade, tudo baseado em um céu 100% brasileiro.
O caminho da anta e seus caminhantes
Ao invés do caminho formado pelo leite derramado pelo seio de Juno, a Via Láctea para a astronomia indígena recebe o nome de Caminho das Antas. Nessa trilha, quatro principais figuras desfilam durante o ano, trazendo novas estações.
Ema
A ema (Guyra nhandu) traz consigo os ventos frios do inverno. Como somos um país de proporções continentais, as constelações podem assumir representações diferentes. Por exemplo, se na região Sul a constelação da ema representa a chegada do inverno, na região Norte do país ela representa a época da seca.
Se você quiser localizar essa constelação no céu, basta observar a junção das constelações do cruzeiro do sol e de escorpião. As mulheres indígenas calculam as estações para que seus bebês não nasçam sob a constelação da ema, por medo que seus filhos não sobrevivam ao inverno.
Anta do norte
A anta do norte ou Tapi’i, representa o retorno das chuvas para os povos do Norte e a transição do frio para o calor para os povos do Sul. A primavera vem sob seus pés enquanto a anta faz sua caminhada pelo céu.
Homem velho
Tuivaé foi traído por sua esposa, tendo a perna arrancada. Como demonstração de afeição, os deuses decidiram que o velho deveria ir para os céus. A ascensão dessa constelação nos céus indica que o verão está chegando.
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As estrelas que formam o homem velho são as mesmas que formam as constelações de Órion e Touro. Mas algumas das estrelas de touro também formam outras pequenas constelações indígenas, como Tapi’i rainhyakã, Joykexo e Eixu, sendo as Híades, Três Marias e as Plêiades, respectivamente.
Cervo
O cervo ou Guaxu representa o outono. Para a região Sul, o retorno do frio se anuncia, enquanto no norte, os povos se preparam para a temporada das secas. Essa constelação engloba as estrelas presentes nas constelações ocidentais da vela e o cruzeiro do sul.
Ao contrário das constelações greco-romanas, na astronomia indígena esses grupos estelares formadores não possuem uma quantidade bem delimitada de estrelas únicas. Assim, as constelações se mesclam com o passar dos dias e das estações, uma assumindo parte das estrelas da outra, enquanto a Terra segue no seu giro natural.
Mas os povos ancestrais não se guiam apenas pelo céu noturno. Eles também desenvolveram tecnologia para registrar o caminho do Sol ao longo de sua jornada anual. Mas essa é uma sabedoria que pode estar em risco.
As tradições indígenas são passadas entre as gerações através da cultura oral. Assim, com o passar das décadas e a invasão cultural, esses saberes se encontram sob ameaça. A ciência, cultura e tecnologia indígena os mantiveram por séculos, e esperamos que essas tradições, lendas e o conhecimento astronômico desenvolvido por eles jamais se perca.
E você conhecia a Astronomia Indígena? Nos conte em nossas redes sociais e aproveite, para conhecer, um pouco mais sobre a constelação de Órion. Até a próxima!