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Sustentabilidade não é competição, diz sócio da EY

“Banco sofre mais pressão regulatória que fintech”, diz Rafael Schur, sócio da EY e líder do segmento de Mercado de Serviços Financeiros para o Brasil
“Banco sofre mais pressão regulatória que fintech”, diz Rafael Schur, sócio da EY | Foto: Divulgação

O caminho ESG no Brasil foi uma das doze trilhas de debates do Febraban Tech deste ano. O evento, que termina nesta quinta-feira, 27 de junho, abordou os vários aspectos da sustentabilidade ambiental, social e de governança corporativa e seu estágio no país. Um dos especialistas a falar sobre o tema no evento organizado pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban) foi Rafael Schur, sócio da EY e líder do segmento de Mercado de Serviços Financeiros para o Brasil.

Nesta entrevista ao Tele.Síntese, o executivo fez uma análise da evolução do tema sustentabilidade no Brasil e comparou o olhar dos grandes bancos e das fintechs. “Existe uma assimetria regulatória que a gente tem que reconhecer. Os bancos grandes sofrem maior pressão regulatória que as fintechs”, reforçando que a sustentabilidade não pode ser vista como instrumento de competição. Confira a entrevista.

Tele.Síntese: Em que pé as instituições financeiras no Brasil estão em termos de avanços na questão da sustentabilidade?

Rafael Schur: No ano passado, a EY lançou a primeira edição de um estudo chamado Long Term Value, em que observamos os indicadores de sustentabilidade não financeira publicados nos relatórios integrados de treze instituições financeiras no país. Em breve, vamos lançar a segunda edição desse estudo e ampliamos para 33 instituições, das quais 21 são brasileiras e as demais são de outros países da América Latina. Fizemos um levantamento superdetalhado sobre o que evoluiu e o que não evoluiu, quais temas estão mais em evidência na pauta, entre outros aspectos. Ainda não podemos divulgar os resultados, mas posso adiantar que percebemos que algumas agendas avançam mais rapidamente. Em geral, são aquelas que sofrem algum tipo de pressão externa, seja via regulador, seja via organismos multilaterais que estabelecem novos formatos para divulgação de informações sobre o tema.

Por outro lado, alguns aspectos que são mais voluntaristas avançam menos. No ano passado, biodiversidade e saúde financeira do consumidor foram tópicos mal pontuados e avançaram menos do que eu gostaria de ver. Ainda temos um espaço grande para desenvolver educação e inclusão financeira do consumidor.

Já a agenda de biodiversidade, acredito que vai avançar mais porque a regulação do TNFD (Taskforce on Nature-related Financial Disclosures), divulgada no segundo semestre do ano passado ainda está sendo absorvida pelas instituições financeiras, mas creio que em breve mostrará resultados.

Há um ponto importante que precisamos pensar. Quando a gente fala em instituição financeira, costumamos tratar todas como se fossem a mesma coisa. Há instituições financeiras diferentes das outras, seja em relação à regulação do Banco Central, seja pela origem nacional ou estrangeira, ou tamanho. Há uma diversidade de instituições que habitam o ecossistema financeiro. Nesse sentido, posso dizer que há dois Brasis. Um está super engajado, movimentando essa agenda e gerando um impacto positivo em termos de cuidados com a natureza e com o cliente  e tem foco em criar negócios a partir disso. E tem um outro Brasil que não está dando a devida atenção para a discussão.

Numa ponta, temos bancos que são líderes de mercado nessa agenda de divulgação dos 25 itens de sustentabilidade que devem compor os relatórios. Mas também temos instituições que estão na rabeira e elas precisam entrar nessa agenda.

Tele.Síntese: As Fintechs brasileiras têm se destacado muito por causa das inovações. Como você avalia o comportamento delas dentro da agenda ESG?

Rafael Schur: Tem um aspecto que devemos destacar. Existe uma assimetria regulatória que a gente tem que reconhecer. Os bancos grandes sofrem maior pressão regulatória que as fintechs. Se por um lado isso ajuda a criar esse ambiente de inovação, por outro, muitas fintechs que não precisam seguir determinadas regulações, não se preocupam com o assunto. É algo como ‘se não está regulado, não vou fazer. Ou, se está regulado só para aquele cara ali, não vou me preocupar’.

Sustentabilidade não é competição. Quando a gente fala do assunto, não significa que o banco A ganhou e a fintech B perdeu. Elas precisam entender que criar um ambiente sustentável, impedir catástrofes como a que aconteceu recentemente no Rio Grande do Sul, é bom para todo mundo. Acredito que as empresas mais novas, mais tecnológicas, que sofrem menor pressão regulatória em torno dessas agendas poderiam e deveriam se engajar mais e ter mais responsabilidade sobre o tema.

Tele.Síntese: Como a implementação do Open Finance se conecta com a sustentabilidade?

Rafael Schur: A cientista inglesa Kate Raworth fala que o dilema da sociedade é como equilibrar a agenda ambiental com a social. Ou seja, não adianta só se preocupar com o social, senão, vai exaurir os recursos que existem na terra. Também não dá para se preocupar só com a causa ambiental porque isso pode oprimir o desenvolvimento social das pessoas. Bilhões de pessoas vivem num estágio de desenvolvimento primário. Por isso, não dá para impedir um pescador de subsistência, por exemplo, de pescar no seu local. Se ele não pescar, vai morrer. Precisa achar esse equilíbrio.

Fiz essa contextualização para dizer que a gente precisa de dados para criar modelos e trabalhar as agendas. É preciso saber o que está acontecendo com o clima e com as pessoas. A captura desses dados, muitas vezes, é bastante trabalhosa, custosa quando depende de estruturas centralizadas. Quanto mais fechado o dado estiver, mais difícil vai ser capturá-lo. Quanto mais difícil e mais caro, mais vou ter que me basear em “achismos”, menos vou conseguir colocar realizar e vou até deixar de fazer.

O oposto disso é o open data, conceito dentro do qual se encaixa o Open Finance. Se os dados estiverem, e aí estou falando filosoficamente, disponíveis para todos, melhores decisões serão tomadas e só temos a ganhar com isso.

O Brasil conseguiu assumir o papel de liderança global no Open Finance. O que isso muda na vida das pessoas hoje? Essa mudança demora para se materializar. Elas envolvem custos de oportunidade, de infraestrutura, mudanças nos sistemas. Tem-se discutido, e isso é legítimo, quem paga esses custos, o que acaba travando um pouco essa agenda. Mas a direção que o país está tomando em termos de Open Finance e o objetivo ao qual se quer chegar é muito positivo. No médio e no longo prazo a gente verá materializações, valor sendo criado tanto para os consumidores quanto para o ecossistema financeiro.

Tele.Síntese: A responsabilidade no uso da nova economia da inteligência artificial (IA) foi escolhida como o tema central desse Febraban Tech. Como a tecnologia se conecta com sustentabilidade

Rafael Schur: A IA é uma ferramenta poderosa de uso genérico. As maiores mudanças que aconteceram no mundo foram feitas por meio de ferramentas de uso genérico. O motor elétrico, por exemplo, faz a geladeira ou a máquina de lavar funcionar. Ele é uma tecnologia de propósito genérico. A IA é como um motor de propósito genérico. Não é um objetivo em si mesma. E se bem aplicada pode ser benéfica.

Já a sustentabilidade não é uma ferramenta de uso genérica. Ela compõe uma agenda de clima, de sociedade, de ambiente e de preservação da vida humana. Ou seja, ela é uma agenda em si mesma. A ferramenta de propósito genérico que é a IA pode nos ajudar a resolver problemas extremamente complicados na dinâmica de sustentabilidade. Falamos da questão da educação e inclusão financeiras. Essa tecnologia pode ser um instrumento poderoso para trabalhar esses aspectos. Ela será um instrumento importante para coleta, estruturação, processamento e sintetização de dados e dados é fundamental quanto o assunto é sustentabilidade.

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