Foto: Marco Henz/Shutterstock
O artigo trata sobre os desafios dos provedores de Internet rumo ao reestabelecimento da conectividade e o que está sendo feito de forma efetiva para minimizar os danos causados pelas cheias recentes no estado.
Vanderlei Rigatieri, fundador e CEO da WDC Networks
A reconstrução do Rio Grande do Sul é um assunto de ordem nacional e depende prioritariamente da revitalização da infraestrutura, desde os acessos como estradas e pontes, passando pelo saneamento básico e energia até as telecomunicações. Um levantamento da InternetSul – Associação dos Provedores de Serviços e Informações da Internet, em parceria com outras associações representativas do setor, mostra que cerca de 30% das conexões de Internet banda larga do estado foram afetadas pelas enchentes. Escrevo este artigo para comentar os desafios dos provedores de Internet rumo ao reestabelecimento da conectividade e o que está sendo feito de forma efetiva para minimizar os danos causados pelas cheias recentes no estado.
Segundo a InternetSul, 629 ISPs atuam em 494 municípios sul-rio-grandenses, reunindo cerca de 2 milhões de assinantes declarados (nem todos os provedores reportam seus números). Deste universo, 94 provedores em 149 municípios foram fortemente prejudicados pelos estragos das enchentes. Isso representa 6 mil quilômetros de redes de fibra óptica danificadas ou totalmente destruídas, 7,5 mil profissionais cujo trabalho foi afetado e uma projeção de impacto na conexão de 338 mil usuários. Diante do cenário devastador podemos afirmar que nunca o termo “disaster recovery” fez tanto sentido, tanto no mundo virtual quanto no real.
Na tentativa de mitigar parte dos danos, garantindo os serviços públicos essenciais e a comunicação ao maior número de pessoas possível, muitas iniciativas precisaram ser rapidamente colocadas em prática, e três delas chamaram particularmente a minha atenção. Ainda nos primeiros dias da crise, a estatal de tecnologia Procergs – Centro de Tecnologia da Informação e Comunicação do Estado do Rio Grande do Sul – realizou o desligamento preventivo do seu datacenter, a fim de evitar maiores perdas e manter serviços do estado funcionando plenamente. Para a continuidade das operações, foi preciso migrar de forma urgente toda a base de dados para a nuvem.
Já a Trensurb, operadora do metrô de Porto Alegre, removeu em barcos os equipamentos de uma área alagada e os religou no data center do Serpro em Brasília (a gestão da empresa é federal), após transportá-los em aviões da FAB – Força Aérea Brasileira. A terceira iniciativa que atraiu minha atenção foi a união de empresas concorrentes de mercado empenhadas em manterem funcionais e disponíveis os serviços essenciais de comunicação no estado: as operadoras de telefonia celular liberaram o roaming para que os cidadãos tivessem acesso à Internet; provedores regionais de Internet firmaram acordos de cooperação para compartilhar equipes técnicas e equipamentos para reparar redes danificadas.
Na corrida de apoio ao Sul brasileiro, até mesmo o CEO da Tesla e SpaceX, Elon Musk, doou antenas da Starlink para auxiliar as atividades de resgate dos moradores e a revitalização da conectividade.
Fust com menos burocracia
O Ministério das Comunicações também agiu rápido e disponibilizou 33 antenas de emergência da Telebras para apoiar equipes de resgate, centros de Comando de Crise, hospitais de campanha e abrigos com conexão à Internet de banda larga nas áreas alagadas. Somados a isso, os recursos do FUST – Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações foram assegurados desde o início pelo governo federal para ajudar na reconstrução do ecossistema de conectividade gaúcho.
Já falamos em artigo anterior, mas vale lembrar que o fundo é atrelado ao Ministério das Comunicações e vem financiando projetos voltados à expansão dos serviços de telecomunicações, especialmente aqueles que priorizam áreas remotas e desfavorecidas economicamente, e para acolher ações regionais de impacto social relevante, como conectar escolas de áreas rurais à Internet.
No caso do desastre ambiental no RS, o ministro das Comunicações, Juscelino Filho, disponibilizou ajuda do FUST para financiar a recuperação da infraestrutura das redes afetadas no estado gaúcho junto com o BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. A expectativa é que a restauração das redes de Internet apoie a retomada econômica do estado, que representa 17,3% do PIB – Produto Interno Bruto brasileiro, segundo o IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
Com o objetivo de simplificar a burocracia do FUST junto ao BNDES, de forma a atender os ISPs de forma mais ágil, em especial aqueles de menor porte, diferentes associações setoriais costuraram diversas tratativas ao longo do mês com o Ministério das Comunicações. A lista de reivindicações apresentada em Brasília no final de maio continha medidas de curto, médio e longo prazo, como a desoneração similar à praticada durante a pandemia e uma barreira competitiva para evitar que empresas de fora avancem sobre o território gaúcho, impossibilitando a recuperação dos provedores locais.
Reintegração dos serviços
Para acelerar o retorno das conexões interrompidas pelas chuvas, a InternetSul estabeleceu em curtíssimo prazo a campanha “Ajude o RS a se reconectar” em quatro frentes: arrecadação de recursos financeiros, doação ou empréstimos de equipamentos de telecomunicações, colaboração com mão de obra técnica ou de limpeza, e apoio jurídico para negociações com os governos do estado e federal, visando angariar fundos para apoiar o reestabelecimento dos serviços de ISPs, que sofreram perdas de até 80% na sua infraestrutura.
É fato que a reconstrução da infraestrutura dos provedores de Internet no Rio Grande do Sul vai demandar tempo e grande aporte de recursos financeiros – a Federasul – Federação de Entidades Empresariais do Rio Grande do Sul estima que serão necessários de R$ 110 bilhões a R$ 176 bilhões para a reconstrução da infraestrutura do estado danificada por causa das chuvas.
Neste ponto, cabe também às empresas envolvidas diretamente com Telecomunicações – operadoras, distribuidores, integradores – nos somarmos a este esforço de reconstrução. Anos atrás, nós atuamos junto a esses mesmos provedores para desbravar os caminhos da Internet banda larga no Rio Grande e no Brasil, então nada mais acertado do que voltarmos ao serviço essencial que um dia nos uniu, conectou cidades, construiu negócios e fez história na telecom brasileira.
O trabalho será árduo, mas com a união dos setores público e privado será possível caminhar rumo à reconstrução das estradas de fibra óptica, reconectando pessoas e empresas, possibilitando o retorno dos negócios e favorecendo a retomada do desenvolvimento social e econômico da região.