Osciladores de quartzo ou atômicos são bastante utilizados como padrões de referência de Tempo & Frequência. Embora estes osciladores possuam baixa instabilidade a curto prazo (short-term), em aplicações que exigem alta exatidão a longo prazo (long-term), eles sozinhos não cumprem a finalidade. Os satélites de navegação, tais como GPS, usados como padrão de transferência estão bastante difundidos entre laboratórios de metrologia de diversos países, inclusive no Brasil. O artigo apresenta as boas práticas para o uso adequado desses tipos de instrumentos.

Fabrício Gonçalves Torres e Tiago Lopes Santos, metrologistas do IPT – Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo

Usualmente, receptores de GNSS – Global Navigation Satellite System são utilizados para determinar a localização geográfica por meio de dados de latitude, longitude e altitude transmitidos por satélites. Esses sinais permitem que os receptores sejam utilizados em diversas aplicações, como navegação, rastreamento, medição de velocidade (linear ou angular) e aceleração.

O GNSS mais conhecido é o GPS – Global Positioning System, sistema de navegação por satélite dos EUA, porém, atualmente, há outros sistemas em funcionamento, tais como o Galileo (da União Europeia), BeiDou (da China) ou GLONASS (da Rússia).

O sistema GNSS é composto por três segmentos:

  • Satélites ou veículos espaciais, que transmitem sinais de rádio com informações sobre a órbita do satélite, posição e o tempo da transmissão.
  • Estações de controle, localizados em terra, e que tem a finalidade de monitorar os satélites e fornecer informações atualizadas de navegação e informações atmosféricas e correções.
  • Receptores de GNSS.

Um receptor de GNSS determina sua localização por meio de trilateração 3D, ou seja, um processo matemático que calcula a localização absoluta, ou relativa, pela medição de distâncias, utilizando-se geometria de esferas. Neste processo, os dados precisos de efemérides dos satélites, parâmetros da ionosfera e os efeitos relativísticos são levados em consideração.

O receptor utiliza dados de posição e tempo transmitidos (pseudorange) para calcular a distância entre ele e o satélite. Como resultado desse cálculo, uma esfera é gerada, representando uma possível localização do receptor. Da intersecção de duas esferas, obtêm-se um círculo, três esferas e dois pontos (figura 1). Embora seja possível determinar a localização assumindo o ponto mais próximo da superfície da Terra, a obtenção de uma posição mais exata requer um quarto satélite. Isso permite que o receptor corrija erros de clock e determine o tempo com menor erro.

Fig. 1 – Cálculo da posição de um receptor de GNSS por meio da trilateração 3D. Fonte: Keysight Technologies. GNSS Technologies and Receiver Testing – Application Note

Além de fornecerem serviços de navegação e posicionamento, os sistemas de GNSS também são utilizados para disseminação de informações de tempo e frequência com boa exatidão, graças aos seus osciladores atômicos de césio, cuja função é garantir a precisão temporal desses sistemas. Estas informações são derivadas das escalas de tempo regionais, as quais são mantidas em concordância com a escala de tempo internacional (UTC).

Osciladores de quartzo ou de rubídio disciplinados por GNSS (mais comumente os GPS) são frequentemente empregados como padrão de referência para frequência, intervalo de tempo ou escala de tempo. Eles utilizam os sinais transmitidos pelos sistemas de navegação por satélite para se autoajustarem. Esta prática é amplamente adotada por laboratórios nacionais de metrologia em diversos países, bem como por laboratórios de calibração acreditados, como o IPT, que utiliza um padrão de frequência de rubídio disciplinado por GPS em suas dependências laboratoriais (figura 2).

Fig. 2. GPSDO do Laboratório de Metrologia Elétrica do IPT, com incerteza relativa na ordem de 3,4 x 10-11. Fonte: Acervo do Laboratório de Metrologia Elétrica do IPT

Os osciladores de quartzo ou de rubídio, por sí só, fornecem sinais com alta estabilidade em curto prazo (short-term). No entanto, é quando são utilizados em conjunto com a constelação de satélites de GPS (transformando-os nos chamados Osciladores disciplinados por GPS – GPSDO, em inglês), que os osciladores alcançam boa estabilidade em longo prazo (long-term). Essa estabilidade é obtida através recepção e decodificação de sinais radiodifundidos pelos satélites, os quais incluem informações de tempo derivadas da escala de referência do Tempo Universal Coordenado (abreviado como UTC).

Recomendações para o uso adequado dos GPSDO

Alguns dos fatores que podem influenciar na exatidão de um GPSDO serão apresentados a seguir. É importante salientar que as recomendações abaixo são gerais, mas as indicações presentes nos manuais dos fabricantes dos GPSDO devem ser criteriosamente seguidas.

  • O laboratório deve adequadamente garantir controle e registro de temperatura ambiente. No uso do GPSDO, é desejável que a variação de temperatura não ultrapasse 3°C, embora em situações em que seja necessária maior exatidão ou na aplicação para transferência de escala de tempo, a variação de 1°C seja mais adequada.
  • É aconselhável que a fonte de alimentação de um GPSDO seja ininterrupta e, para isso, o uso de nobreaks é recomendado. Além disso, a alimentação elétrica deve possuir filtros para proteção contra surtos ou transientes.
  • A antena do GPS deve ser instalada externamente, em local com boa visão do céu, evitando a exposição direta da luz solar, longe de fontes de eletricidade e interferências eletromagnéticas, e acima de estruturas que possam ocasionar reflexões do sinal do satélite. Por questões de segurança, proteções contra surtos e raios devem ser instaladas junto com a antena.
  • O cabo da antena deve possuir comprimento adequado, garantindo que somente a parte essencial esteja na área externa. Cuidados adicionais devem ser tomados para reduzir os efeitos devido a variação de temperatura.
  • Periodicamente, verifique as informações sobre o número e a identificação dos satélites que o GPSDO está recebendo. Normalmente, os fabricantes destes instrumentos disponibilizam um software para esta finalidade. Um número muito baixo de satélites (< 6, por exemplo) pode ser indício de mau funcionamento do sistema.
  • Exceto para a escala de tempo, as coordenadas exatas da antena não são necessárias para o uso do GPSDO como padrão de frequência ou intervalo de tempo. Portanto, recomenda-se que, após a sincronização com os satélites, as coordenadas do instrumento sejam configuradas no modo manual ou hold.
  • Embora um GPSDO seja autocalibrável, ainda assim, recomenda-se que o instrumento seja enviado periodicamente para calibração em um laboratório nacional de metrologia, laboratório designado ou laboratório acreditado que forneça incerteza adequada para esta calibração. Esta prática garante a manutenção da rastreabilidade metrológica das medidas de frequência e intervalo de tempo.
  • Alguns cuidados adicionais devem ser tomados para garantir a rastreabilidade metrológica no uso da escala de tempo, uma vez que todo o sistema (oscilador, cabo e antena) deve ser calibrado em conjunto. Neste caso, o cenário ideal seria realizar a calibração nas próprias dependências laboratoriais onde o sistema é utilizado.

Fabrício Gonçalves Torres é físico, mestre em Processos Industriais e responsável pela área de Alta Frequência e Telecomunicações do Laboratório de Metrologia Elétrica do IPT. Possui mais de 18 anos de experiência em metrologia e realiza auditorias, consultorias e treinamentos na área de qualidade, metrologia e instrumentação. fabrigt@ipt.br; www.linkedin.com/in/fabriciogt.
Tiago Lopes Santos é engenheiro de Instrumentação, Automação e Robótica e é técnico no Laboratório de Metrologia Elétrica do IPT. Possui mais de 15 anos de experiência em calibração de instrumentos elétricos, ópticos e de telecomunicações. tglopes@ipt.br; www.linkedin.com/in/tiagolopessantos.