O presidente da Anatel, Carlos Baigorri, defendeu hoje, 23, que o Brasil tem conhecimento em telecom para exportar a países vizinhos e do continente africano. Segundo ele, há um contingente crescente de empreendedores que criaram provedores de internet bem sucedidos, venderam o negócio para fundos consolidadores e, em função de cláusulas “non compete”, acabam sem ter como utilizar o conhecimento no país.
“Aí vemos lançamentos de brasileiros na Colômbia, no Uruguai, na Bolívia. Hoje temos muitos empreendedores que conhecem telecomunicações, têm um monte de dinheiro, e não podem voltar para o mercado”, comentou em painel durante a conferência Conexão Brasil-África, em Brasília. O evento é organizado pela Momento Editorial, que publica o Tele.Síntese, em parceria com a associação dos reguladores de países de língua portuguesa, a ARCTEL.CPLP.
Para o presidente da Anatel, a consolidação do mercado de provedores regionais vai crescer mais, e mais pessoas experientes estarão em busca de oportunidades fora do país.
“Percebemos que o mercado dos pequenos chegou num nível de saturação. A gente vê isso pela consolidação que está acontecendo. E todo dia no noticiário tem diversas aquisições e fusões neste mercado. De fato não faz sentido ter 20 mil provedores. Existe um elevado nível de fragmentação no mercado, e quando existe isso, investidores externos começam a consolidar o mercado com teses de crescimento”, assinalou.
PPPs não roubaram mercado das grandes
Baigorri enalteceu as medidas regulatórias assimétricas tomadas pela Anatel nos últimos doze anos, e que contribuíram para o desenvolvimento do mercado de provedores. E defendeu que regras, como a definição de prestador de pequeno porte, não prejudicaram grandes empresas estabelecidas no mercado.
“Quando entrei na Anatel em 2009, toda solução que se pensava para levar internet no interior era colocar obrigações sobre operadoras grandes. Muita gente defendia colocar a banda larga fixa em regime público, ter metas de universalização e regulação de preço”, lembrou.
E ressaltou que a solução encontrada foi estimular o empreendedorismo. “Com o PGMC [Plano Geral de Metas de Competição, regulamento da Anatel], veio um modelo em que as forças de mercado estavam no centro. Pensamos que, se tirar barreiras, o mercado iria aparecer. Apostamos na força empreendedora de milhares de agentes. Eu acho que esse é o insight que podemos dar: criar um ambiente propício à entrada de empreendedores, com baixas barreiras, e criar assimetrias regulatórias”, recomendou aos países que tenham interesse em replicar a experiência brasileira.
Na prática, comentou, o papel do regulador se transforma, e passa a ser não apenas de fiscalizar as incumbentes, como garantir que elas respeitem as assimetrias em relação aos pequenos e não pratiquem barreiras artificiais.
“Em vez de apostar em grandes empresas que fariam algo que não querem por obrigação, passa a criar oportunidades para outros que querem fazer, fazê-lo. As grandes focam nas grandes cidades. No Brasil, houve crescimento dos pequenos, sem diminuição da participação das grandes. Não é um jogo de rouba monte, é um mercado que vai fazer com que a população se beneficie”, concluiu.
Baigorri frisou, porém, que o modelo de assimetrias que resultou em 20 mil provedores cadastrados na Anatel não terá efeito similar no mercado móvel. “O segmento móvel é muito mais complexo que o de banda larga fixa. Levar rede móvel é mais complexo do que levar fibra. Tem a rede de transporte, tem equipamentos, tem espectro, tem device pra homologar, tem outro custo”, ressaltou. Por isso, não espera a multiplicação de empresas no segmento, como aconteceu com banda larga fixa.
Pontos de Troca de Tráfego
Demi Getschko, diretor presidente do NIC.br, ressaltou outras medida praticadas no Brasil e que poderiam ser replicadas por outros países. Uma delas é a implantação dos Pontos de Troca de Tráfego, que permitem a conexão direta entre os provedores de internet de qualquer porte e os provedores de conteúdo, de forma neutra e a baixo custo. Com tais medidas, foi possível que a internet no país não apenas expandisse, como a velocidade e qualidade do acesso melhorasse.
“Conectividade é uma coisa, qualidade de conectividade é outra coisa. Em uma pandemia, tem coisa que não dá para fazer com dispositivo ou link ruim. Então a conectividade pode ser insuficiente para as aplicações que queremos usar. E tem melhorado a qualidade da conectividade no Brasil”, falou.
Eles defendem assimetrias
No mesmo painel, representantes da Vero, da Brisanet, da FiberX, da Tá Telecom e da Abrint defenderam a importância das assimetrias regulatórias para a expansão dos provedores regionais no interior do país, onde as grandes não chegavam.
Flávio Rossini, Diretor de Assuntos Corporativos da Vero, destacou que sua empresa é resultado das oportunidades que a consolidação do mercado de ISPs traz. E que a consolidação “só foi possível porque as barreiras de entrada diminuíram e o empreendedorismo floresceu. Esses provedores estão ocupando espaços que antes não eram interessantes para outros players. Vemos potenciais em regiões onde outros não viam”, afirmou.
Moderador do debate, Mauricélio Oliveira, Diretor Presidente da Abrint, apresentou dados para demonstrar que os pequenos ocuparam espaços nas cidades médias e pequenas, nas quais as grandes operadoras não chegam com banda larga fixa.
“No Brasil, só 555 empresas têm mais de 5 mil usuários, a grande maioria das 20 mil têm menos de 5 mil usuários.
Provedores são maioria entre usuários nas cidades com menos de 100 mil habitantes. Agora que estão saindo do interior e subindo aos grandes centros. Antes, não teve uma troca de clientes, teve uma área que não estava explorada”, defendeu.
José Roberto Nogueira, CEO da Brisanet, concordou. “O Brasil tem 5,2 mil cidades que representam apenas 10% das receitas de telecomunicações. Mesmo assim, os pequenos superaram 50% de market share indo a estas cidades, sem redução nenhuma da base de clientes das grandes competidoras. Ou seja, é base nova, que não teria internet sem os pequenos”, comentou.
A seu ver, o modelo pode ser replicado em outros países em desenvolvimento. “Essa expansão, fizemos com ticket médio de US$ 15, enquanto nos EUA o ticket médio é de US$ 60. Isso mostra que é possível”, afirmou. Ele ressaltou que os provedores oferecem qualidade e velocidade pois o usuário de baixa renda é exigente. “A classe baixa consome mais, já que a internet é sua principal forma de lazer. Uma mãe coloca o streaming para o filho ver e se divertir. O consumo de uma família de baixa renda passa facilmente de 1 Terabyte por mês”, acrescentou.
O executivo disse que já presta consultorias a interessados em explorar o mercado na África, e mostrou algumas estratégias para ampliar a rede. Recomentou a instalação de fibra em áreas com postes e casas ao longo de rodovias. Em áreas mais dispersas, defendeu que a tecnologia móvel, como 4G ou 5G, pode ser mais eficiente. Mas cada caso exige análise minuciosa. “Construir rede tem um Capex mais alto e um Opex também”, asseverou. E por isso, defendeu: “Assim, é necessária a assimetria regulatória”.
Rudinei Gerhart, CEO da Tá Telecom, levou seu case de construção de uma operadora móvel virtual que congrega 120 provedores regionais e atende 30 mil usuários, em apenas 14 meses desde o lançamento. “Sem prestadoras pequenas, existem cidades que jamais seriam conectadas”, defendeu.
Mas observou que o mercado de banda larga fato está saturado, com infraestrutura já suficiente para atender a população, com exceção de algumas áreas do Norte. “O mercado privado potencial de banda larga fixa no Brasil tem 85 milhões de acessos ao todo. E estima-se que temos mais de 125 milhões de homes passed, acho que este número é substimado. Então os provedores foram eficientes ao fazer a infraestrutura. Agora, indo para o móvel, acredito ser possível serem tão bem sucedidos quando foram no fixo”, defendeu.
Ele afirmou que há muito a explorar nesta vertente. “Sem contabilizar M2M, as MVNOs representam 0,1% dos acessos móveis”, disse, ressaltando que são necessárias medidas assimétricas também no mercado celular.